Marley sempre!

Marley sempre!

Um encontro mágico com o homem reggae!


É um lugar amplo. Um misto de neblina e fumaça de ciganos quase que impede acertar à primeira o número de pessoas presentes. Hmmm, são seis! Como que em descompasso jogral, conversavam em voz alta, alternando riso e gritos com pequenos trechos de canções. Num círculo bastante informal, lembrando o despojamento de um bar mundano, estão John Lennon, Louis Armstrong, Jim Morrison, Brian Jones, Janis Joplin e Jimi Hendrix. O clima relativamente tranquilo transforma-se, repentinamente, em euforia, quando um galope se faz ouvir, já bem próximo. Montado num cavalo brando, longas tranças sobre o vermarelerde das roupas, chega Bob Marley.
- Está atrasado, seu tratante, já íamos começar - gritam em uníssono (ou quase).
Muitos abraços. Bob desculpa-se:
- Cool, cool... Estive muito ocupado, não deu para chegar antes.
- Marcar hora com jamaicanos é realmente um furo n’água - brinca John. Let’s go, há muito que fazer!
O velho Louis adianta-se desembainhando seu trompete e ensaiando alguns acordes. Jim Morrison saca uma garrafa de uísque, festejando por Brian Jones, Hendrix, e La Joplim. Os sons do trompete misturam-se agora ao tilintar de copos. Morrison volta-se para Bob:
- Vai um golezinho
- Nuh mon! Um rasta não bebe. Somente a erva sagrada mantém o espírito elevado - atesta Bob, já enrolando o seu primeiro spliff.
- Certo - assente Jim, com os olhos distantes. - Blake já dizia: "se as portas da percepção estão limpas, tudo aparece ao homem como é, infinito"
John senta-se ao piano, rascunha "Oh-ladi, Ob-lada" e entra na conversa:
- Diga aí, Bob, o que tens feito?
- Cuidando das minhas crianças. John, cuidando das minhas crianças... Sou um servo de Jah, Sua Majestade Imperial. Não faço um trabalho pesado, apenas aquilo que Jah me diz para fazer. Faço música e Jah da-me a inspiração para dizer as coisas.
- Quem? - pergunta Hendrix.
- Hailé Selassié I, Rei dos reis, Senhor dos senhores, Leão da Tribo de Judá, Jah Rastafári...
- Leão não. Tigre! - arrisca Morrison, blakeando novamente.
Bob sorri, abanando a cabeça e sorvendo lentamente o generoso cigarro de AX. Janis aproxima-se, beija Bob na face, faz uma pilhéria sobre os rasta... Fica séria e pergunta da raça.
- Está escrito: a pedra que o construtor recusou, poderá ser a pedra angular. Mas, a verdade é a verdade... O nome do meu pai é Noé, o nome do seu pai é Noé, todos nós viemos de Noé, somos todos um só povo!
Antevendo um dueto na guitarra com Jimi Hendrix, Bob estende o spliff a Brian Jones, garantindo ser muito bom para a asma.
Brian aceita, mas diz que não sofre de asma. Risos. Mais uísque nos copos. Louis Armstrong abandona momentaneamente seu instrumento, observando Bob e Jimi afinando as guitarras. O estilo de Marley nas cordas atrai sua atenção:
- Gosto disso, rapaz. Você trabalha bem com as pausas, é muito sutil.
- comecei no ska, mon, em 1962. O seu jazz estava ali, tão claro como o dia.
- Você é experiente, negão, pode acreditar! Emenda Hendrix, sugerindo um soco no braço de Bob.
- Eu também comecei nessa época - diz John - quando ninguém acreditava no meu trabalho. Bob hesita, pensativo. Insiste numa nota aguda, depois volta-se:
- Eu era bem jovem, quando tive um sonho, uma visão. Surgiu um homem alto, vestido num uniforme cáqui, entregou-me um anel e disse: "é tudo que tenho para lhe dar". Entendi aquilo como uma benção e uma força estranha apoderou-se de mim, compelind-me a escrever e cantar, sempre. Reuni os meus amigos, Peter e Bunny, e não parei mais. Eu tinha certeza absoluta que minha mensagem cobriria o mundo!
- E os seus amigos não - complementa Janis.
- Não sei, não sei. Acho que nossos caminhos eram diferentes, por isso não ficamos juntos.
- Bem - intervém Morisson -, digamos que... sem contrários não há progresso.
- Lembro que Peter Tosh andava irritado - continua Marley. - Ele não concordava com o "Bob Marley and..." que a gravadora impôs.
Brian Jones mata o uísque que lhe resta, balança a cabeça e aperta os lábios, dizendo:
- Posso entender isso, posso entender... Conheço esse jogo.
- Bem... - diz Bob - não importa que tipo de jogo façam, há coisas que jamais podem nos ser arrancadas.
- A verdade - adiciona Morrison, enquanto serve mais uísque - é que todos os jogos contêm a idéia da... morte!
- E daí? - propõe Jones. - A morte não é tão trágica assim. Alguém me disse certa vez, que morrer é apenas acordar do sonho da vida! Alguém discorda?
Ninguém discorda.
John Lennon arremata:
- E o sonho acabou, só isso.
Todos concordam. Sob o efeito do Joint e do uísque, transformam a conversa novamente em alarido. Cantarolam um velho blue (ninguém se lembra da letra toda), derramam a bebida, trocam beijos e abraços. John arrisca um "God, Save the Queen" no piano e finaliza com um apoteótica arroto. Aplausos. Agora é Bob Marley quem levanta, em transe, de olhos fechados! E com seu estilo desconexo de dançar e cantar, envolve a todos com suas palavras. Hoje ele é o dono da festa. A uma só voz, todos cantam...
- Roots, rock, reggaeeeeeeeee...

Nenhum comentário:

Postar um comentário