Marley sempre!

Marley sempre!

Jah Live!

O jornal “Daily Gleaner” preconizava que Jah estava morto.

A forma esguia de Bob mal era visível à pouca luz emitida pelos escassos spots do estúdio de gravação de Harry J no número 10 da avenida Roosevelt em Kingston. Vestindo uma camisa de algodão marrom,calças de brim e requintadas botas de camurça,ele se postava de mãos nos quadris no meio do abarrotado estúdio de pé-direito alto. A cabeça reclinada, de onde pendiam os dreadlocks, enquanto ele se concentrava. O relógio da parede marcava 10:30 de uma certa noite no mês de setembro de 1975.

As gravações para o disco Rastaman Vibration dos Wailers haviam sido deixadas de lado para permitir um projeto especial, de emergência. O engenheiro Sylvan Morris, um negro corpulento e solene, sentava-se envergado sobre a mesa de dezesseis canais no lado de lá do painel de vidro sujo que separava a cabine de controle do estúdio; ele pegou uma garrafa bojuda de Dragon e tomou um gole enquanto aguardava algum sinal para dar início à fita. Não se ouvia nada, exceto a deglutição de Sylvan, seguida de um arroto abafado.

Talvez tenham se passado dois minutos até que Bob levantou a juba de Medusa. Ele colocou os fones de ouvido e fez um aceno com a cabeça.Uma trilha instrumental que os Wailers tinham feito à tarde começou a jorrar dos gigantescos monitores pendurados acima da mesa de mixagem.

Havia um padrão de bateria, um baixo entorpecente pilotando a bateria,e uma guitarra rítmica em surdina. Bob deu um passo rápido em direção ao microfone e paralisou as dez pessoas que se amontoavam na cabine do engenheiro quando começou a cantar:

Selassie lives! Jah-Jah lives, children!

Jah lives! Jah-Jah lives!

Fools saying´ in dere beart,

Rasta yar God is dead

But I know ever more

Dreaded shall be dreaded and dread…

Os rostos de Family Man e Carly se congelaram num amplo sorriso beato que eles compartilharam com os outros presentes: Al Anderson; Lee Perry e sua esposa;Rita; Márcia Griffiths e sua amiga Judy Mowatt,ex-vocalista do grupo Gaylets e terceira integrante de um trio recém-formado chamado I-Threes-o novo grupo vocal de apoio dos Wailers;além de dois recentes acréscimos à estes, o organista Bernard “Touter” Harvey e Earl “Chinna” Smith na guitarra base. Ninguém se mexia, todos com os olhos pregados na figura magricela do outro lado do vidro. Sua cabeça esbelta jogava para trás enquanto ele pleiteava devoção atemporal ao Jah Rastafari.

E enquanto ele cantava, a aguçada malha musical ficava cada vez alta,crescendo em espirais, num círculo estonteante de tensão e relaxamento,até o controle psíquico tornar-se insuportável. Gotas de suor surgiam na testa ampla do rosto barbudo de Family Man, e seu sorriso nele estampado mostrava-se cada vez mais maníaco,quase grotesco.

Sem avisar, Marley girou de repente e explodiu em áspera exultação primal que retumbou pelo prédio como um maremoto.As estátuas escuras do outro lado do vidro,de um salto,voltaram à vida; começaram a pinotear e arremeter em furioso abandono e logo a dançar de uma saleta para outra enquanto Marley mandava sua áspera voz de tenor nas maiores alturas:

The truth is an offense but not svin!

Is he laugh last, is he ruho svin!

Is a foolish dag barks at a flying bird!

One sheep must learn to respect the shepherd!

Jah lives! Selassie lives, chil-drann!

Jah lives! Ja-Jah lives!

Em uma semana, Jah Live estava em todas as lojas de discos de Kingston.Um sujeito do Daily Gleaner foi até o estúdio de Harry J para perguntar a Marley sobre o grande sucesso,e Bob lançou-lhe um olhar que quase fez parar o coração do repórter.

__ Não se pode matar Deus­__ sussurrou ele.­

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