Não, não é só sua música. É atitude. É visão de mundo. Para entender como e por que tudo isso influenciou corações e mentes de pessoas do mundo todo, nesses últimos 29 anos, é preciso escutar suas músicas. Mas também é necessário ir mais fundo na história do homem debaixo dos dreadlocks.
MARLEY ERA O CARA!
MARLEY ERA O CARA!
“... Um dia lá entrou “Roots, Rock, Reggae”, a música que mexeu com meus parafusos. O locutor: “Bob Marley e o rock da Jamaica... ” Tive a sorte de aprender batucada quando era moleque – onde eu estudava, em vez de fanfarra havia uma escola de samba. Ora, aquele rock da Jamaica era mesmo diferente de tudo que eu já havia escutado. Dava pra acompanhar com um pandeiro, por exemplo, mas tinha de tocar com uma quebrada diferente, um acento especial. E a linha de baixo? O que era aquilo?! Outra é que logo peguei a letra. Aliás, essa é uma das forças da música de Marley: todo mundo entende. Com palavras simples e meia dúzia de citações bíblicas, ele criou uma mensagem universal. O fato é que eu fui fisgado pelo reggae e isso ocorreu por causa de Bob Marley – deve ter sido assim com você também.
Uma das coisas que eu descobri é que, nos anos 70, havia outros caras brilhantes na Jamaica, a maioria fazendo música com palavras simples e meia dúzia de citações bíblicas. Então, por que Bob tornou-se “o cara”? Primeiro, porque com ele estavam os irmãos Carlton (bateria) e Aston “Familyman” Barrett (baixo). Esses dois chegaram à grande síntese do reggae – uma pegada única, que transcendeu as outras, também muito boas, que se praticavam na ilha no final dos anos 60. Com o álbum Catch a Fire, de 1973, então, o reggae ganhou uma linguagem nova, incorporando solos de guitarra e outras influências do rock. Dá para dividir a história assim: antes e depois desse disco. Outra explicação é que ele era autêntico. A roupa que usava nos shows era a mesma que usava na rua e jamais alguém disse que ele cantava de olhos fechados pra tirar uma chinfra. A carapinha era ainda mais afirmativa que a do black power e suas crenças – algumas até bem esquisitas – não mudaram depois que ele se tornou um superstar.
Enfim, ele era um cara descolado e sem complexos, e essa é uma aspiração de todo mundo. Mas acho que explico Bob Marley melhor com outras coisas. Em 1990 eu estava em Montego Bay, Jamaica, acompanhando o Reggae Sunsplash, que até então era o maior festival do gênero. Os shows começavam no final da tarde e iam até a manhã seguinte. Entre uma e outra sessão de grandes artistas, um DJ trocava alguns discos, escondido atrás de um dos paredões de caixas acústicas. Durante um bom tempo ele tocou dance hall reggae e ragga, que já estavam bem em voga, e então começou a tocar Bob Marley, um atrás do outro. Notei que houve um arrefecimento do público. Jamaicanos, australianos, ingleses, americanos... Havia gente de todo mundo e, naquele instante, com o súbito corte no paradão de sucessos, fez-se o silêncio. Achei que o rapaz tinha quebrado a cara em sua manobra, digamos, popularesca. Dez minutos depois, a situação era outra. Eu e pelo menos 29 999 outras almas estávamos cantarolando cada uma das canções do velho.
Não havia êxtase, delírios, isqueirinhos acendendo, nem gritos esparsos: éramos todos uma só voz, grave e contida, como numa oração. De onde eu estava, dava para ver boa parte dos superstars que ainda subiriam no palco naquela noite, e todos cantavam junto. Nesse dia, mais uma vez, a música de Bob Marley mexeu com meus parafusos.”
Parte do texto por Sérgio Gwercman e Débora Bianchi
Site - www.historia.abril.com.br
Uma das coisas que eu descobri é que, nos anos 70, havia outros caras brilhantes na Jamaica, a maioria fazendo música com palavras simples e meia dúzia de citações bíblicas. Então, por que Bob tornou-se “o cara”? Primeiro, porque com ele estavam os irmãos Carlton (bateria) e Aston “Familyman” Barrett (baixo). Esses dois chegaram à grande síntese do reggae – uma pegada única, que transcendeu as outras, também muito boas, que se praticavam na ilha no final dos anos 60. Com o álbum Catch a Fire, de 1973, então, o reggae ganhou uma linguagem nova, incorporando solos de guitarra e outras influências do rock. Dá para dividir a história assim: antes e depois desse disco. Outra explicação é que ele era autêntico. A roupa que usava nos shows era a mesma que usava na rua e jamais alguém disse que ele cantava de olhos fechados pra tirar uma chinfra. A carapinha era ainda mais afirmativa que a do black power e suas crenças – algumas até bem esquisitas – não mudaram depois que ele se tornou um superstar.
Enfim, ele era um cara descolado e sem complexos, e essa é uma aspiração de todo mundo. Mas acho que explico Bob Marley melhor com outras coisas. Em 1990 eu estava em Montego Bay, Jamaica, acompanhando o Reggae Sunsplash, que até então era o maior festival do gênero. Os shows começavam no final da tarde e iam até a manhã seguinte. Entre uma e outra sessão de grandes artistas, um DJ trocava alguns discos, escondido atrás de um dos paredões de caixas acústicas. Durante um bom tempo ele tocou dance hall reggae e ragga, que já estavam bem em voga, e então começou a tocar Bob Marley, um atrás do outro. Notei que houve um arrefecimento do público. Jamaicanos, australianos, ingleses, americanos... Havia gente de todo mundo e, naquele instante, com o súbito corte no paradão de sucessos, fez-se o silêncio. Achei que o rapaz tinha quebrado a cara em sua manobra, digamos, popularesca. Dez minutos depois, a situação era outra. Eu e pelo menos 29 999 outras almas estávamos cantarolando cada uma das canções do velho.
Não havia êxtase, delírios, isqueirinhos acendendo, nem gritos esparsos: éramos todos uma só voz, grave e contida, como numa oração. De onde eu estava, dava para ver boa parte dos superstars que ainda subiriam no palco naquela noite, e todos cantavam junto. Nesse dia, mais uma vez, a música de Bob Marley mexeu com meus parafusos.”
Parte do texto por Sérgio Gwercman e Débora Bianchi
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